acma1953

 
registro: 03/01/2011
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Grande sacanagem fizeste com a gente

Adaptação de um texto de Miguel Esteves Cardoso

Grande maldade essa que tu fizeste, embebedámo-nos com Bloody's Mary's e, a certa altura, tu reparaste que eu tinha a mania de desdizer o que tinha acabado de dizer. Eu disse-te que era um tique português. Primeiro afirma-se um disparate ou uma verdade. Depois continua-se “E, no entanto…”

“And yet!”, gritaste, “the two greatest words in any language!” Depois desataste a dar exemplos. 

A um homem que te amava e queria casar contigo: “I love you… and yet… I cannot marry you this year”. 

Ao barman: “Bem sei que já bebi a minha conta… and yet… apetece-me outro Bloody Mary”.

Prometemos escrever um ao outro. Quando eu falhei mandaste-me um telegrama com duas palavras e três pontos: “and yet…”

Um dia falámos de partidas,depois de uma notícia quase funerária fizeste questão de aparecer a dizer que, quando disseste que estavas pronta para morrer, estavas a ser dramática. Fizeste-nos rir. Prometeste viver até aos 120 anos. Prometeste-nos mais blogs e mensagens.

Mentirosa! Sempre foste a mais sublime das mentirosas. Nem era preciso mentires: eu julgava que ias viver para sempre, como sempre tinhas vivido. Agora morreste e obrigas-me a escrever estas palavras lavado em lágrimas. And yet … E, no entanto, tiveste uma vida feliz. Fizeste o que querias. Amaste e foste amada. Blogaste os artigos e textos mais bonitos, elevados, cheios de humor e tão actuais. Fizeste-nos rir e ser felizes com a tua alegria contagiante. 

Já há mais de 40 anos que andavas a falar com Deus, a preparar o teu caminho. Foste uma "pecadora" de primeira and yet… E, no entanto, algo me diz que vais ser muito bem recebida no reino dos céus, se for para aí que combinaste ir.

Deixaste-nos, mas nunca avisaste que nos ias deixar. Deixar tornou-se a tua especialidade. Ninguém se despedia tão bem como tu. Ninguém dava à sola tão depressa como tu, tão bem vestida, com sapatos feitos para percorrer as grandes distâncias do amor e da vida.

Isso não te desculpo, não tinhas o direito de partir sem avisar. 

Partiste e, no entanto, continuas cá. Eu vi o tamanho do teu "caderninho" gigante, cheio de textos e projectos. 

Espero bem que haja centenas de blogs que tu julgaste que ainda não estavam prontos, mas que estão.

Agora que viajaste escusamos que esses blogs sejam perfeitos, como aqueles que escreveste e publicaste enquanto estavas viva. Enquanto eras viva - estas palavras ainda custam mais a escrever do que a simples palavra “morreste”.

Sabes porquê? Aposto que ainda sabes mais, aí no lugar onde estás, na Tower of God. Porque “morreste” ainda é uma coisa que tu fizeste. 

Morreste, que sacanagem. 

É uma coisa de que podemos acusar-te; é um verbo que podemos atirar-te à cara. Em contrapartida “enquanto eras viva” já pertence a um passado em que já fizeste tudo o que tinhas para fazer, incluindo morrer. Uma pessoa tem de morrer. 

E até a morrer foste uma Lady.

Toda a vida dançaste com Deus e algumas dessas vezes acabaram como poemas, divinos de amor e de vida, escritas por quem conheceu a alegria e a tristeza de amar e viver e viver e amar.

Viajaste e, no entanto, continuas vivíssima para quem já partiu. Hoje de manhã, quando ouvi You Raise Me Up chorei, por ser a primeira vez que o ouvi sabendo que já estavas no Paraíso. E mais uma vez chorei. As canções fizeram o que sempre fazem: encheram-me de força, abriram-me ao medo e à beleza de estar vivo... mas a Saudade, essa me fez cair na realidade e perguntei-me: porquê tu?

Adeus, Belinha, dizemos nós como se não soubéssemos que já lá estás.

https://www.youtube.com/watch?v=Lta-WTLipd0